sábado, 9 de abril de 2011

Especialistas apontam 'delírio'


A carta deixada por Wellington Menezes de Oliveira - jovem de 23 anos que matou 12 crianças, deixou outras 11 feridas e depois se suicidou na escola Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, no Rio de Janeiro - dá pistas sobre um possível comportamento delirante do atirador, segundo especialistas consultados pelo G1.

Apesar de destacarem ser impossível fazer uma análise completa somente pela leitura da carta (veja íntegra no final deste texto), os profissionais concordam em um ponto: a organização das idéias de Wellington na carta é confusa e alguns trechos apontam preocupações típicas de delírios como limpeza ou pureza ("os impuros não poderão me tocar sem luvas").

Para Fábio Barbirato, médico da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), os traços do delírio são notados em vários trechos da mensagem. "Há uma certa falta de lógica que acompanha tudo o que está escrito. Especialmente no trecho que ele fala sobre os animais, aquilo parece estar muito desagregado, não parece fazer sentido."

O psiquiatra da ABP também afirma que Wellington não tinha plena consciência de seus atos. "Ao analisar o caso, parece que o atirador vivia um possível quadro esquizofreniforme. É como se fosse um corte na realidade, ele acreditava no seu mundo e esquecia tudo o que estava em volta. Talvez, no futuro, ele pudesse avançar para uma esquizofrenia de verdade."

Já para o psicólogo Fábio Leyser Gonçalves, do Centro de Análises do Comportamento, a carta mostra que a ação do atirador foi premeditada. “De certa maneira, ele é coerente. O que em termos de saúde mental não quer dizer muita coisa. Muitas vezes o delírio existe junto com a organização", afirma.

“É um pensamento ordenado, mas delirante. Especialmente quando ele passa essa ideia de pureza, de ser um indivíduo casto, de certa forma até 'superior'.”

Gonçalves também comenta um possível sentimento de heroísmo no ato de Wellington. "O texto está organizado em volta deste tema da pureza, como se ele tivesse um propósito, uma missão."

Psicopata ou psicótico?
Barbirato descarta a hipótese de se tratar de um psicopata. "Com base apenas na carta, é possível notar que o Wellington não parece ser uma pessoa perversa, malvada", afirma o especialista.

"Vejo que ele matou muito mais por raiva do que pura e simplesmente por desprezo. Ele ajoealhava as crianças e disparava. Se você for pensar em psiquiatria forense, era uma pessoa que queria humilhar a outra", explica o psiquiatra. "Wellington também escreve se preocupar com Deus, com os animais. Um psicopata não se preocupa com o que o outro pensa."

Barbirato reconhece, porém, que a mensagem é enigmática e confusa. "Essa carta deixa a gente muito na dúvida. Um psicopata faz mal a alguém, mas nunca quer sair perdendo. Ele manipula todos para não sair em prejuízo nunca. Já a pessoa que se mata está sempre, de alguma forma, perdendo”, diz Fábio.

Sexualidade
Os especialistas também comentaram sobre um possível desconforto de Wellington com a própria sexualidade. "Há uma conotação de sexualidade na carta. Claro que não dá para saber se a pessoa sofreu abuso ou não, mas os temas de pureza, de castidade, estão presentes", afirma Barbiroto.

Já o psicanalista e psiquiatra Francisco Algodoal, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, acredita que apenas hipóteses vagas podem partir a partir somente da mensagem deixada pelo atirador. "A coerência do texto vai, aos poucos, deslizando para algo delirante", diz.

Algodoal somente arrisca estabelecer alguma relação da carta com os alvos da tragédia quando lembra das referências sobre pureza e o desejo de ficar perto da mãe, expressos na mensagem. "O fato dele ter alvejado mais meninas do que meninos talvez aponte uma dificuldade enorme com a sexualidade, um complexo de inferioridade tremendo."

"Essa vontade de ficar perto da mãe, de ser puro, pode ser indício de um trauma com a própria sexualidade, o desejo de se manter puro, casto."

Estrutura da carta
A carta contém dois trechos. No primeiro, Wellington fala sobre orientações para o seu enterro e mostra estar preocupado com a "pureza" daqueles que irão mexer com o seu corpo.

Na parte final, o atirador dá instruções sobre a herança de uma casa em Sepetiba, que não deveria ser deixada para familiares, mas para instituições que cuidem de "animais abandonados".

Wellington ainda cita a mãe, Dicéa Menezes de Oliveira, que estaria sepultada no cemitério de Murundu, mesmo local onde algumas das vítimas da tragédia foram enterradas nesta sexta-feira (8).


Íntegra da carta e transcrição



“Primeiramente deverão saber que os impuros não poderão me tocar sem luvas, somente os castos ou os que perderam suas castidades após o casamento e não se envolveram em adultério poderão me tocar sem usar luvas, ou seja, nenhum fornicador ou adúltero poderá ter um contato direto comigo, nem nada que seja impuro poderá tocar em meu sangue, nenhum impuro pode ter contato direto com um virgem sem sua permissão, os que cuidarem de meu sepultamento deverão retirar toda a minha vestimenta, me banhar, me secar e me envolver totalmente despido em um lençol branco que está neste prédio, em uma bolsa que deixei na primeira sala do primeiro andar, após me envolverem neste lençol poderão me colocar em meu caixão. Se possível, quero ser sepultado ao lado da sepultura onde minha mãe dorme. Minha mãe se chama Dicéa Menezes de Oliveira e está sepultada no cemitério Murundu. Preciso de visita de um fiel seguidor de Deus em minha sepultura pelo menos uma vez, preciso que ele ore diante de minha sepultura pedindo o perdão de Deus pelo o que eu fiz rogando para que na sua vinda Jesus me desperte do sono da morte para a vida eterna.”


“Eu deixei uma casa em Sepetiba da qual nenhum familiar precisa, existem instituições pobres, financiadas por pessoas generosas que cuidam de animais abandonados, eu quero que esse espaço onde eu passei meus últimos meses seja doado a uma dessas instituições, pois os animais são seres muito desprezados e precisam muito mais de proteção e carinho do que os seres humanos que possuem a vantagem de poder se comunicar, trabalhar para se alimentarem, por isso, os que se apropriarem de minha casa, eu peço por favor que tenham bom senso e cumpram o meu pedido, por cumprindo o meu pedido, automaticamente estarão cumprindo a vontade dos pais que desejavam passar esse imóvel para meu nome e todos sabem disso, senão cumprirem meu pedido, automaticamente estarão desrespeitando a vontade dos pais, o que prova que vocês não tem nenhuma consideração pelos nossos pais que já dormem, eu acredito que todos vocês tenham alguma consideração pelos nossos pais, provem isso fazendo o que eu pedi.”

Presos dois suspeitos de vender arma a atirador, diz polícia

A dupla foi encontrada por policiais militares do 21º BPM.
Negociações para compra da arma teriam começado há cerca de 4 meses.

Do G1 RJ

A Divisão de Homicídios (DH) informou, neste sábado (9), que estão presos os dois suspeitos de negociar e vender uma das duas armas para Wellington Menezes de Oliveira, o homem que matou 12 crianças em uma escola em Realengo, na Zona Oeste.

A DH fez o pedido de prisão preventiva no plantão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro na madrugada deste sábado.

Os dois foram ouvidos na noite de sexta-feira (8) na DH, na Barra da Tijuca. Eles foram encontrados por policiais militares do serviço reservado do 21º BPM (São João de Meriti). De acordo com o comandante do batalhão, Ricardo Arlem, um chaveiro, vizinho de Wellington, teria sido quem intermediou a compra do revólver calibre 32, uma das armas utilizadas no massacre.
O comandante explicou que Wellington teria procurado o chaveiro, por saber que ele tinha contatos de pessoas que vendiam armas clandestinamente. Ainda segundo a Polícia Militar, as negociações para a compra da arma teriam começado há cerca de quatro meses.

Um amigo do chaveiro teria vendido a arma para o atirador. Segundo a PM, o suposto vendedor tem passagens pela polícia pelos crimes de porte ilegal de arma, uso de documento falso e estupro.

De acordo com o comandante Ricardo Arlem, assim que os homens foram abordados pelos PMs, eles negaram a venda, mas depois confirmaram e trocaram acusações.

"Sheik"
Segundo a PM, o chaveiro revelou que Wellington era conhecido na região onde morava em Sepetiba, na Zona Oeste do Rio, pelo apelido de "Sheik", devido à barba longa que cultivou até dias antes do crime. Na carta que deixou na escola, Wellington não deu indicações de que seria muçulmano (leia carta na íntegra).

“Nós descobrimos esses dois homens porque um PM à paisana ouviu o vendedor comentar ao chaveiro, tá vendo aquela arma que te vendi, tá vendo como ela tava afiadinha?, olha o estrago que ela fez”, reproduziu o comandante.

O comandante contou ainda que os homens negaram vender as munições utilizadas por Wellington. A Divisão de Homicídios, que investiga o caso, tenta esclarecer se os dois homens têm realmente ligação com a venda do armamento.

11 vítimas sepultadas
Durante toda a sexta-feira (8), familiares, parentes e moradores do bairro de Realengo deram adeus a 11 das 12 crianças mortas pelo atirador Wellington Menezes de Oliveira na Escola Municipal Tasso da Silveira, na Zona Oeste do Rio. O corpo de Ana Carolina Pacheco da Silva, de 13 anos, será cremado no sábado (9).

Apenas o corpo do atirador Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, ainda está no Instituto Médico Legal (IML). Segundo o IML, após dez dias, o rapaz será enterrado como "corpo não reclamado".

Feridos
Dez alunos baleados na Escola municipal Tasso da Silveira seguem internados nesta sexta-feira (8), em seis hospitais do Rio. Três deles estão em estado grave. Renata Lima Rocha, de 14 anos, recebeu alta do Hospital Albert Schweitzer na tarde desta sexta-feira. Ela foi foi baleada no abdômem.